Este é um assunto, que, dependendo do círculo de pessoas em que ele for inserido, pode até gerar certa polêmica. Algumas pessoas vão afirmar categoricamente que devemos ser bons sempre, apesar de qualquer situação; outras, inflamadas, digamos, vão defender que se alguém aprontar com elas uma única vez a pessoa não terá uma segunda chance.
É claro que em ambos os casos as pessoas em questão têm as suas motivações particulares e não é objetivo deste artigo levantar a crítica, mas a reflexão sobre as consequências de cada motivação.
Obviamente, o ideal para a maioria das pessoas é que devemos ser bons sempre. Mas, nessa linha de pensamento, também precisamos refletir sobre o que é ser bom e o que é ser mau.
É na reflexão dessa dualidade que podemos encontrar alguma direção sobre esse dilema. Pois não ser bom não necessariamente significa ser mal. E é nesse ponto que muitas pessoas entram em certo conflito.
Dito isso, é necessário também despertar ainda para uma outra questão: o julgamento que fazemos das coisas. Como, de verdade, podemos saber se a ajuda que estamos prestando a alguém pode ser uma coisa boa ou ruim?
Este não é um assunto simples. Existem muitas questões envolvidas e, para decifrar este enigma, é necessário explorar profundamente as motivações do ego.
Algumas pessoas acabam sendo boas por não conseguirem dizer não para o outro. E, nesses casos, após a ação de generosidade, podem até sentir uma certa raiva de si próprias.
Outras pessoas podem também estar sendo generosas pelo medo de serem julgadas por terceiros como uma pessoa cruel ou sem coração. Da mesma forma que uma outra pessoa pode decidir não ser generosa com o outro com o receio de ser julgada como idiota. Perceba que nesses dois casos o meio em que elas estão inseridas interfere em suas motivações. A pergunta é: qual seriam suas decisões se não tivessem que se importar com o julgamento alheio? Indo ainda mais fundo, qual seriam suas decisões se não tivessem que lidar internamente com seus próprios julgamentos? Nesses dois casos, o objeto da motivação não é mais a bondade, mas o desejo de aprovação externa.
Perceba que, no caso da pessoa que tem dificuldade em dizer não, ela não necessariamente tem o desejo de ser boa. Seu desejo mais íntimo seria poder se preservar. É exatamente nesse aspecto que uma outra questão aparece: de que vale ser generoso com o outro quando esse ato agride a nossa própria vontade?
Quando ser generoso com o outro significa negligenciar a bondade com nós mesmos, então é preciso se questionar. É claro que pensamentos sobre estar ou não sendo egoísta afligirão a mente de quem está passando por essa situação.
É importante ainda levantar uma outra situação. Não podemos ignorar o fato de que muitas pessoas se aproveitam do coração generoso do outro. É fácil perceber isso em relacionamentos onde o que tenta se aproveitar usa de chantagem emocional para controlar o outro. Nesse aspecto bastante terrível, a pessoa se sente na obrigação de ser bondosa para não sentir o peso da culpa em sua mente. Também aqui a bondade não é o objeto da motivação, mas o alívio de não se sentir culpado. Podemos ainda sugerir que o objeto da motivação nesse caso também possa ser o medo de perder o amor do outro, ou seja, o medo de ser rejeitado.
Vistos todos esses pontos, será que o limite da bondade seria o abuso? Será que o limite da bondade seria o nosso amor próprio?
A verdadeira motivação da bondade deveria nascer do desejo de servir ao próximo e não ao nosso próprio ego. Pois todas as vezes em que a motivação da bondade for o ego, existirá conflito na mente.
Quando finalmente aprendermos a identificar a atuação do ego em nossos pensamentos, ser bom com o outro poderá ser exatamente o oposto do que poderíamos acreditar.
Então, talvez a melhor resposta para esta questão seria:
Sempre devemos ser bons com as pessoas, só que, às vezes, a bondade está exatamente na não bondade. Mas isso, só com muito amor e discernimento para identificar nosso próprio ego e conseguir enxergar melhor a necessidade do outro.
Dessa forma um não se torna também um ato de amor.
Seria, então, o amor o limite da bondade?
Photo by Milos Tonchevski on Unsplash
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